Era o seu nome que eu escrevia.
Sem respeitar o limite das linhas entrecortando o papel, escrevia escrevia escrevia re pe ti da men te escrevia escrevia escrevia re pe ti da men te em folhas e folhas e folhas e folhas. Uma escrita quase que automática a minha. Obsessão que se manifestava onde quer que eu estivesse: o seu nome o seu nome o seu nome o seu nome o seu nome. O garçom do boteco da esquina, aquele que nos vendia cerveja fiado, já não perguntava mais nada. Completava o copo sem deixar espuma – porque não gostávamos da espuma quando bebíamos juntos, lembro.
Ele aproveitava e secava a mesa para não molhar os guardanapos rabiscados.
Nem eles se safavam. O seu nome, era o que eu escrevia neles. Mas não ao lado do meu como em outras épocas. Era somente o seu que eu escrevia escrevia escrevia re pe ti da men te escrevia escrevia escrevia re pe ti da men te para dar vazão ao meu instinto assassino recalcado. Porque noites e noites, enquanto você dormia, elaborei planos para dar fim a tudo. Com as minhas mãos, talvez, no seu pescoço; a pressionar o seu rosto com o travesseiro, quem sabe? Teria força para isso?
Mas o fato é que qualquer ato irrefletido de supressão da sua vida seria mais fácil do que dar um fim àquilo que chamávamos de “relacionamento sério” nas redes sociais, em todas elas. Acreditávamos, assim, estar imunes ao assédio – eu, ao menos. Mas não! E não: eu nunca conseguiria colocar tais planos em prática, não é mesmo? Porque sabemos da minha condição intrínseca de não realizar aquilo que desejo. Você fazia questão de lembrar. Neurótico obsessivo, não é esse o nome?
Contentei-me em escrever escrever escrever re pe ti da men te escrever escrever escrever re pe ti da men te com a minha mão pesada segurando a caneta,
preferencialmente azul – a cor da paz, diziam alguns, quase marcando a mesa gasta da sala que compramos no início, quando não nos revelamos um para o outro. Escrever era a garantia de gastar o significante que o seu nome representava e, ali, na mesa do boteco da esquina, aquele que nos vendia cerveja fiado, a satisfação era maior. Porque eu sabia que, depois da quinta garrafa de litrão, eu, bebendo sozinho assim, não perceberia quando o garçom, sem perguntar, juntaria os papeis em suas mãos grosseiras e jogaria-os no lixo, amassados de uma vez só, para entrar e nunca mais sair.
Eu, ali sentado, projetava toda a minha energia para que você, onde quer que estivesse, sentisse. Eu improvisava assim, em silêncio, um ritual vodum precário – você nunca acreditou nisso, sempre mais racional do que eu, que insistia em estudar essas coisas. Já tentei com os sapos, acredite! Mas desisti. Em uma cidade como a nossa, encontrar um anfíbio solto pela rua não era tarefa fácil.
Porque, noites e noites, enquanto você dormia, eu desejei, sem êxito: colocar os seus vários nomes escritos nos vários papeis, sem respeitar os limites das linhas que os entrecortavam, dentro da boca do sapo e costurá-la. Costurá-la, mesmo sem nunca antes ter segurado uma agulha. Costurá-la assim, na intuição, projetando a minha energia para aquele ato que definharia você, aos poucos, tão logo eu enterrasse aquele sapo em nosso jardim. Era ele decompondo-se, a alimentar os vermes que ali esperariam famintos, e você secando, perdendo as forças, adoecido por algo que ninguém descobriria. E, ainda assim, eu estaria ao seu lado, para ter certeza que tudo teve um fim.
Mas aí, no meio da noite, semiacordado, você balbuciava um “eu te amo”,
sobrepondo a sua perna na minha e um beijo na minha nuca que tirava as forças ruins da minha mente. Eu fracassaria mais uma vez, incapaz de realizar os próprios desejos.
Era o mal de ter Vênus na casa de Gêmeos .
(Este é um texto de um dos colaboradores. Os comentários, opiniões e colocações são de inteira responsabilidade do autor. Não necessariamente refletem a opinião deste blog)