Angústia que se faz escrita

Mas, aliás, o que é ser “escritor”?

Todos os dias essa palavra me soa mais como uma preocupação do que enquanto uma “ocupação”, ou “vocação”.

Quando escrevo, não falo (apenas) sobre mim, falo sobre o mundo e suas relações diversas.

Quando escrevo, abstenho-me do consciente mais próximo para alcançar a alma de quem não conheço.

Quando escrevo, faço história de quem não pode falar. Ou pelo menos tento – devia ser assim.

Quando escrevo, recorro à língua e à sua vida; mas, quando jaz, é nosso dever chamá-la à realidade; ressuscitar.

Mas, o escritor não é aquele que já escreve? A mulher trabalhadora, que anota em seu diário as contradições de seu dia a dia? O homem trabalhador que relata para o sindicato suas petições mais urgentes? O jovem estudante, ou velho, que redige o instrumento de sua avaliação?

O escritor não é aquele que cabe de linha em linha, havendo por onde narrar um conto, dois pontos, três parágrafos de história?

O escritor não é a criança que fala e, não sabendo escrever, oraliza a doçura do mundo?

O escritor não é o violentado que, na loucura do mundo aos avessos, expressa na rua a sua injúria?

O escritor é quem comporta em si as angústias do mundo, enchendo coração e a alma, mãos e pés, em sua caminhada – a dolorida missão do sentir, tocar. É o combustível da incerteza, pois com a certeza não se faz criação.

Entre tantas belas conquistas, o escritor é quem consegue avistar ao longe as utopias que nos fogem pelo cotidiano, entre nossos dedos calejados de morte.

E, nisto, tantos outros são mestres, doutores, grandes. Escritores. Pois para ser escritor, basta saber ser humano. Escrever é apenas uma necessária consequência.

 

 

 

(Este é um texto de um dos colaboradores. Os comentários, opiniões e colocações são de inteira responsabilidade do autor. Não necessariamente refletem a opinião deste blog)

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